domingo, 1 de novembro de 2009

PARA ZANE, POR GERSON ARRAES, JUIZ

Prezada Zane, boa tarde.

Estando meditando sobre a sua luta, veio a mim a
Palavra de Deus, constante em 2 Crônicas, cap 20 vv. 15,17, em que é narrado
tempo de crise em Judá, durante o reinado de Josafá. Um exército de moabitas
e amonitas invadira Judá, procedente de Edom.. Josafá e seu povo estavam
assustados, mas o rei buscou o Senhor em oração e convocou a nação a unir-se
a ele num jejum e oração, enquanto esperavam a resposta de Deus. Deus , como
sempre respode às orações dos seus filhos, dessa vez fê-lo através de
Jaaziel, filho do sacerdote Zacarias, o qual lembrou ao povo e ao rei que a
batalha dependia do Senhor e não deles. Portanto, deveriam assumir suas
posições na entrada do vale e simplesmente observar o que Deus iria fazer.
Assim disse Deus: "Dai ouvidos todo o Judá, e vós, moradores de Jerusalém, e
tu, ó rei Josafá. Assim o Senhor vos diz: Não temais, nem vos assusteis por
causa dessa grande multidão, pois a peleja não é vossa, senão de Deus. Nesta
peleja não tereis de pelejar; parai, estai em pé e vede a salvação do Senhor
para convosco, ó Judá e Jerusalém; não temais, nem vos assusteis; amanhã,
saí-lhes ao encontro, porque o Senhor será convosco". Os inimigos de Josafá
(Amom e Moabe) foram mortos por sí próprios e ao final, saqueados os seus
despojos. Zane, essa passagaem se presta para vc ver que Deus não abandona
os seus filhos, aqueles que o temem e crêem no seu poder. A luta que vc está
enfrentando não é sua, é de Deus, e Ele, segundo a Bíblia, é Deus de
Justiça. Tão somente, permaneça "de pé", como Deus disse a Josafá, e observe
a obra que Ele fará em teu favor. Creia, tão somente. Estarei pronto a
conversar quando precisar. Conte comigo. Que Deus te abençoe.

Gerson Arraes, Juiz

REBRILHA A GLÓRIA- CANÇÃO DO SOLDADO, PELA FOLHA DE SÃO PAULO


FOLHA DE SÃO PAULO

Houve tempo em que todo brasileiro sabia de cor a "Canção do Soldado". A mais popular de nossas músicas militares, a ela se podia aplicar a estrofe inicial: "Nós somos da Pátria amada / fiéis soldados por ela amados". Em popularidade, só chegou perto a "Canção do Expedicionário". Impregnada do lirismo de Guilherme de Almeida, o "Príncipe dos Poetas" evocava a diversidade dos soldados da FEB: "Você sabe de onde eu venho?" e a recheava com o melhor da alma lírica brasileira, os versos de Gonçalves Dias sobre a terra das palmeiras onde canta o sabiá.

No dia 7, domingo de garoa paulistana, lembrando a "Londres de neblinas frias" de Mário de Andrade, arranquei-me com esforço da poltrona à sombra da estante, para assistir, no teatro do Sesc em Pinheiros, à inauguração de ciclo dedicado ao sopro no Brasil. No meio do espetáculo, que foi todo, do começo ao fim, um deslumbramento, o gris friorento da tarde viu-se escorraçado pela súbita explosão laranja-escarlate dos fulgurantes metais da retreta: tuba, bombardina, trombones, trompetes. Era a Banda da Mantiqueira que descia as escadas atacando com brio a "Canção do Soldado". Não houve quem não se erguesse para cantar ou marcar o compasso com as palmas. Fiquei a cismar sobre o porquê do intenso brasileirismo da canção. Além da melodia, mais jubilosa que bélica, acho que se deve a dois fatores.

O primeiro é a letra. Assim como nos hinos oficiais ou nos sambas-enredos, ela está encharcada do gongorismo popular, o equivalente, na poesia, ao estilo primitivo ou ingênuo na pintura e escultura. Veja-se esta escolha kitsch de palavras: "Nas cores da nossa farda / Rebrilha a glória / Fulge a vitória". Esse "rebrilha" é um achado! Uma amiga minha, Marília Sardenberg Zelner, hoje cônsul-geral no Porto, filha de militar, tendo peregrinado, na infância, de quartel em quartel, chamou sua boneca de "Rebrilha Glória", como se fosse um nome duplo.

O outro aspecto é o da ideologia popular de rejeição da guerra, da cultura brasileira da paz. Quem imaginaria o exército prussiano, os truculentos fuzileiros ianques, até os chilenos de passo de ganso, cujo lema é "Por la razón o por la fuerza", marchando ao som de um hino ao pacifismo. "A paz, queremos com fervor/A guerra, só nos causa dor"?

Mas não vim aqui falar de música militar, e sim do "Sopro do Brasil". É imperdível, embora eu mesmo, que tive de voltar a meu exílio sem sabiá, terei de perder o resto do ciclo. Se fosse crítico, escreveria sobre tudo que me fascinou. Para começar, as crianças, bando alegre que invade a cena com assobios, apitos, varinhas mágicas que sibilam no ar com sons incríveis.

Logo após a alegria da infância, a do menino de 80 anos, "seu" Tavares da Gaita, sertanejo miúdo de Caruaru, de chapeuzinho e roupinha modesta, que transforma a gaita de boca em orquestra de forró, com harmonia, ritmo, melodia. Não contente, ainda inventa instrumentos, a combinação de talento na tradição e criatividade na busca, que é a marca do nosso povo. Em contraponto erudito, mas dentro da mesma linha de inventividade, o grupo Uitku, sutilíssimo nos instrumentos de sonoridades cósmicas, que fazem da "Aquarela do Brasil" uma peça de vanguarda.

A Mantiqueira, então é, puro deleite. Regalei-me, sobretudo, com os maxixes de Pixinguinha. Menino ainda, fui dos que redescobriram, há meio século, no teatro do largo da Concórdia, a Velha Guarda ressuscitada por Almirante, com sobreviventes de Os Oito Batutas, Donga, por exemplo, tocando prato e faca. Lundus, sambas de roda, pontos de macumba. Nunca mais tinha ouvido ao vivo alguns desses maxixes, como "Proezas do Solon", o dentista de Pixinguinha, que nos trazem de volta o Rio de Machado de Assis.

O maestro Pestana, de "Um Homem Célebre", cujo sonho era emular Mozart e só conseguia tirar do piano polcas buliçosas, de nomes estrambóticos ou brejeiros como "Candongas Não Fazem Festa" ou "Não Bula Comigo, Nhonhô". O velho bruxo não era um visual. Sua literatura é muito mais povoada de música, ópera, teatro, que de pintura. Além do Pestana, do tenor aposentado, amigo de Dom Casmurro, o maestro Romão Pires, o Queirós, de "O Diplomático", que inspirava o comentário: "Não imaginam como ele é saudoso na flauta!".

É esse o nó do problema. A flauta, a clarineta, a retreta do coreto eram indispensáveis no passado. Depois, a música brasileira empobreceu de certa forma e se limitou às cordas e à percussão. Ótimas, sem dúvida, mas falta algo. O que seria do jazz sem os metais que os ex-escravos obtiveram das bandas militares da Guerra Civil? Temos de resgatar nossos metais e madeiras. Como menino que tentou, sem talento, aprender flauta, sax, ocarina, gaita, conservo a paixão frustrada do sopro. Fiquei, assim, feliz com a iniciativa de valorizar o sopro.

Miriam Taubkin, a diretora, fez uma apresentação de grande singeleza e sensibilidade. Sopro, lembrou, é espírito. Estar inspirado é ter dentro de si o sopro, o mesmo com que Deus deu vida ao barro.

No livro dos Reis, quando Elias foge à fúria de Jezabel e espera na montanha que o Senhor lhe fale, desencadeia-se um furacão, a terra é abalada por terremoto e devastada por incêndio, mas Iahweh não estava em nenhum desses eventos espetaculares. Em seguida, há o murmúrio de uma brisa suave. Quando o ouve, Elias cobre o rosto com o manto, sai da gruta porque o Senhor estava na brisa. O espírito sopra onde quer. Neste domingo, às 18h, ele sopra no Sesc da Paes Leme. Não deixe que ele se esvaia no ar sem tocá-los.

Rubens Ricupero, 67, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).

POBRES ALUNOS, BRANCOS E POBRES...POR SANDRA CAVALCANTI

Sandra Cavalcanti

Entre as lembranças de minha vida, destaco a alegria de lecionar Português e Literatura no Instituto de Educação, no Rio.Começávamos nossa lida, pontualmente, às 7h15.

Sala cheia, as alunas de blusa branca engomada, saia azul, cabelos arrumados.Eram jovens de todas as camadas. Filhas de profissionais liberais, de militares, de professores, de empresários, de modestíssimos comerciários e bancários.Elas compunham um quadro muito equilibrado. Negras, mulatas, bem escuras ou claras, judias, filhas de libaneses e turcos, algumas com ascendência japonesa e várias nortistas com a inconfundível mistura de sangue indígena. As brancas também eram diferentes. Umas tinham ares lusos, outras pareciam italianas.Enfim, um pequeno Brasil em cada sala.

Todas estavam ali por mérito!

O concurso para entrar no Instituto de Educação era famoso pelo rigor e pelo alto nível de exigências.Na verdade, era um concurso para a carreira de magistério do primeiro grau, com nomeação garantida ao fim dos sete anos. Nunca, jamais, em qualquer tempo, alguma delas teve esse direito, conseguido por mérito, contestado por conta da cor de sua pele! Essa estapafúrdia discriminação nunca passou pela cabeça de nenhum político, nem mesmo quando o País viveu os difíceis tempos do governo autoritário.

Estes dias compareci aos festejos de uma de minhas turmas, numa linda missa na antiga Sé, já completamente restaurada e deslumbrante.Eram os 50 anos da formatura delas!Lá estavam as minhas normalistas, agora alegres senhoras, muitas vovós, algumas aposentadas, outras ainda não.Lá estavam elas, muito felizes.Lindas mulatas de olhos verdes. Brancas de cabelos pintados de louro. Negras elegantérrimas, esguias e belas.Judias com aquele ruivo típico.E as nortistas, com seu jeito de índias.Na minha opinião, as mais bem conservadas. Lá pelas tantas, a conversa recaiu sobre essa escandalosa mania de cotas raciais.Todas contra! Como experimentadas professoras, fizeram a análise certa.

Estabelecer igualdade com base na cor da pele? A raiz do problema é bem outra. Onde é que já se viu isso? Se melhorassem de fato as condições de trabalho do ensino de primeiro e segundo graus na rede pública, ninguém estaria pleiteando esse absurdo. Uma das minhas alunas hoje é titular na Uerj. Outra é desembargadora. Várias são ainda diretoras de escola. Duas promotoras. As cores, muitas. As brancas não parecem arianas. Nem se pode dizer que todas as mulatas são negras. Afinal, o Brasil é assim. A nossa mestiçagem aconteceu. O País não tem dialetos, falamos todos a mesma língua. Não há repressão religiosa. A Constituição determina que todos são iguais perante a lei, sem distinção de nenhuma natureza! Portanto, é inconstitucional querer separar brasileiros pela cor da pele. Isso é racismo! E racismo é crime inafiançável e imprescritível.

Perguntei: qual é o problema, então? É simples, mas é difícil.

A população pobre do País não está tendo governos capazes de diminuir a distância econômica entre ela e os mais ricos. Com isso se instala a desigualdade na hora da largada. Os mais ricos estudam em colégios particulares caros. Fazem cursinhos caros. Passam nos vestibulares para as universidades públicas e estudam de graça, isto é, à custa dos impostos pagos pelos brasileiros, ricos e pobres. Os mais pobres estudam em escolas públicas, sempre tratadas como investimentos secundários, mal instaladas, mal equipadas, malcuidadas, com magistério mal pago e sem estímulos. Quem viveu no governo Carlos Lacerda se lembra ainda de como o magistério público do ensino básico era bem considerado, respeitado e remunerado.

Hoje, com a cidade do Rio de Janeiro devastada após a administração de Leonel Brizola, com suas favelas e seus moradores entregues ao tráfico e à corrupção, e com a visão equivocada de que um sistema de ensino depende de prédios e de arquitetos, nunca a educação dos mais pobres caiu a um nível tão baixo. Achar que os únicos prejudicados por esta visão populista do processo educativo são os negros é uma farsa. Não é verdade! Todos os pobres são prejudicados: os brancos pobres, os negros pobres, os mulatos pobres, os judeus pobres, os índios pobres! Quem quiser sanar esta injustiça deve pensar na população pobre do País, não na cor da pele dos alunos. Tratem de investir de verdade no ensino público básico. Melhorar o nível do magistério. Retornar aos cursos normais. Acabar com essa história de exigir diploma de curso de Pedagogia para ensinar no primeiro grau. Pagar de forma justa aos professores, de acordo com o grau de dificuldades reais que eles têm de enfrentar para dar as suas aulas. Nada pode ser sovieticamente uniformizado.
Não dá!

Para aflição nossa, o projeto que o Senado vai discutir é um barbaridade do ponto de vista constitucional, além de errar o alvo. Se desejam que os alunos pobres, de todos os matizes, disputem em condições de igualdade com os ricos, melhorem a qualidade do ensino público. Economizem os gastos em propaganda. Cortem as mordomias federais, as estaduais e as municipais. Impeçam a corrupção. Invistam nos professores e nas escolas públicas de ensino básico.

O exemplo do esporte está aí: já viram algum jovem atleta, corredor, negro ou não, bem alimentado, bem treinado e bem qualificado, precisar que lhe dêem distâncias menores e coloquem a fita de chegada mais perto? É claro que não. É na largada que se consagra a igualdade. Os pobres precisam de igualdade de condições na largada. Foi isso o que as minhas normalistas me disseram na festa dos seus 50 anos de magistério!Com elas, foi assim.


Sandra Cavalcanti, professora, jornalista, foi deputada federal
constituinte, secretária de Serviços Sociais no governo Carlos Lacerda,
fundou e presidiu o BNH no governo Castelo Branco.