sexta-feira, 2 de outubro de 2009

STJ confirma paternidade de filho de empresário de Sergipe após 66 anos do nascimento

Está mantida a decisão que reconheceu, após quase 66 anos de nascimento, a paternidade de empresário, já falecido, em relação a filho havido fora do casamento. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial dos demais herdeiros do falecido, irmãos do investigante, que, após recusa injustificada durante anos para a realização do teste de DNA, pretendiam que o processo fosse transformado em diligência para finalmente ser realizado o teste de comprovação.

“Nunca uma situação da vida atual foi tão semelhante com a figura bíblica de Davi e Golias quanto a luta que o recorrido embate em face dos recorrentes”, afirmou, emocionada, durante a sustentação oral, a advogada do recorrido. “O mesmo medo que, a princípio, aterrorizava Davi diante de Golias, também dominou o recorrido, por litigar contra o poderio da família dos recorrentes”, destacou ela, que decidiu aceitar a causa após recuo de muitos.

Segundo o processo, a mãe do investigante teve um relacionamento amoroso em 1942, quando tinha 17 anos de idade e o investigado, casado, mais de 40. A criança nasceu em outubro de 1943, mas teria tomado conhecimento do fato apenas aos 19 anos por revelação da avó. A paternidade do investigante seria, no entanto, pública e notória, inclusive do conhecimento de alguns familiares do investigado e do público em geral.

A primeira tentativa de reconhecimento ocorreu em 1994, quando o pai, então investigado, ainda era vivo. Na ocasião, houve recusa à submissão ao exame de DNA, alegando tratar-se de uma torpe falsidade ideológica, com interesses puramente patrimoniais. Em 2001, a ação foi extinta, após pedido de desistência do investigante, que teria sofrido pressões em virtude do poderio socioeconômico do investigado, conceituado homem público.

Entrou na Justiça novamente. Segundo a advogada, fragilizado após sofrer pressões para desistir da investigação, desempregado e, mesmo assim, disposto a pagar o exame de DNA, o autor da ação decidiu que chega uma hora na vida de um homem em que ele não pode nem deve recuar. “Fortalecido, pois, na sua vontade de verdade, decidiu ir à luta. Inspirado na conduta e força moral de Davi e confiando na Justiça, resolveu enfrentar os seus gigantes com determinação e coragem”, afirmou a advogada.

Apesar da recusa reiterada à realização dos exames, por parte da família, a paternidade foi reconhecida desde a primeira instância. “Convém afirmar que existe uma impressionante semelhança física entre o autor e o finado investigado”, afirmou o juiz. “Pessoalmente ele é ainda mais parecido, tanto com o de cujus como com toda a família deste, tal qual cópia xerográfica, só que em uma versão mais castigada e empobrecida, sendo certo que seu timbre de voz é exatamente o mesmo que é marca registrada de todos os membros da família”, afirmou o magistrado.

Na sentença, ele observou que a criança cresceu sem estudo, sem trabalho, sem maiores luzes, conhecendo de perto o lado mais triste e sombrio do mundo, com todas as dificuldades que uma vida sem recursos pode trazer e vendo, calado, seus irmãos por parte de pai receberem da vida todas as benesses que o desaperto econômico pode propiciar.

“E – o que deve ser pior –, vendo toda a família paterna lhe voltar as costas, negando-lhe por toda a vida o carinho e o amor que lhe eram devidos por direito, recusando-se a aceitá-lo como filho e irmão, apesar do fato de que a natureza, como se obrasse de propósito, ter-lhe impresso no corpo todos os caracteres físicos da família”, acrescentou.

TJ confirma sentença

Em sua defesa os irmãos do investigante afirmaram que a recusa ao exame devia-se ao fato de não haver quaisquer outras provas do relacionamento e da paternidade, sendo justificável tal recusa, além do fato de não serem obrigados a produzir provas contra si mesmos. “A precoce investigação de microssatélites de DNA terá sido em vão, não havendo negar os custos de sua realização, assim como o constrangimento que certamente implica aos requeridos”, afirmou a defesa.

Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça de Sergipe manteve a sentença. “É verdade que os depoimentos não servem como prova definitiva, por óbvio. Mas são bons reforços no convencimento já germinado por aquela recusa imotivada em se submeter ao exame de DNA”, afirmou o desembargador. “Ademais, além dos depoimentos prestados, constam nos autos provas documentais que convergem para o mesmo ponto, embasando, ainda mais, a pretensão do recorrido”, afirmou.

No recurso para o STJ, os irmãos alegaram violação dos artigos 131 e 132 do Código de Processo Civil. Afirmaram, entre outras coisas, não ser admissível a prova emprestada oriunda de depoimentos colhidos em processo findo e arquivado sem exame de mérito, mediante pedido de desistência do próprio investigante. Requereram, então, a transformação do julgamento em diligência para a realização do exame, outrora recusado.

Nas contrarrazões, a defesa do recorrido afirmou acreditar piamente na Justiça. “Pois ela não se deixa levar pelas ligações das pessoas, pelas manobras extraprocessuais, pela divergência de forças entre as partes, sobretudo porque ela, muitas vezes, é o último recurso para que o cidadão tenha a sua dignidade resgatada”, afirmou.

Por unanimidade, a Terceira Turma negou provimento ao recurso especial. Para a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, a prova emprestada, recebida como prova documental, foi analisada conjuntamente, tanto em 1º como em 2º grau de jurisdição, com “outros elementos fáticos e probatórios condicionantes do juízo de convencimento e consequente conclusão do julgado”, o que não pode ser revisado em recurso especial, por se tratar de matéria de provas e fatos.

Ressaltou a ministra que, ainda que fosse possível a análise do pedido deduzido por litisconsorte recorrente no sentido de converter o julgamento em diligência para a realização da perícia genética que outrora foi recusada injustificadamente, certo é que o exame de DNA só pode aproveitar à parte que não deu causa ao obstáculo para sua realização na fase instrutória, tendo em vista a preclusão consumativa que atinge o recurso especial em sua interposição.

Ainda segundo a relatora, se todo o quadro probatório confirma a paternidade, não há por que retardar ainda mais a entrega da prestação jurisdicional, com a realização de exame reiteradamente recusado. “Notadamente em se tratando de direito subjetivo pretendido por pessoa que se viu privada material e afetivamente de ter um pai ao longo de 66 anos de uma vida, na qual enfrentou toda a sorte de dificuldades inerentes ao ocaso da dignidade humana”, concluiu Nancy Andrighi.

Coordenadoria de Editoria e Imprensa
http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=94012

Divulgação de idas de empregado ao banheiro é proibida

A divulgação de planilha criada para controlar ida de funcionário ao banheiro para os colegas de trabalho resulta é proibida. Baseada nesse entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento ao agravo de instrumento da empresa de call-center Teleperformance e condenou a empresa ao pagamento de indenização no valor de R$10 mil reais à ex-empregada, que teve o controle de suas idas ao banheiro, durante o trabalho, divulgado entre os funcionários.

Segundo o relator, ministro Renato de Lacerda Paiva, ficou comprovado no processo que a empresa produziu uma planilha para controlar as idas ao banheiro dos empregados que prestavam serviços de telemarketing — o que, em princípio, não seria ato abusivo. O problema, explicou o ministro, é que a empresa distribuía a planilha entre os próprios funcionários.

Lacerda Paiva enfatizou que a conduta da empresa deu margem a comentários e brincadeiras que, no entender da trabalhadora, eram ofensivas à sua honra, sendo este, portanto, o nexo causal que justificou a condenação.

Para o relator, não houve violação do artigo 818 da CLT, que estabelece que a prova das alegações incumbe à parte que as fizer, e do artigo 186 do Código Civil, que trata de ato ilícito cometido contra outro. Os artigos foram usados na alegação da defesa da Teleperformance. Por essa razão, o recurso de revista da empresa não poderia ser admitido para rediscutir a condenação imposta pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR). Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

AIRR- 21.464/2007-028-09-40.5

Revista Consultor Jurídico, 1º de outubro de 2009

Manter casa de prostituição, por si só, não é crime

Por Luiza Nagib Eluf

A lei que acaba de modificar os artigos referentes aos crimes sexuais do Código Penal (lei 12.015, de 7/8/09) não apenas inovou com relação ao estupro e ao atentado violento ao pudor como também alterou vários outros dispositivos, dentre os quais o que aborda a atividade do comércio sexual referente à casa de prostituição.

Anteriormente, nos termos do artigo 229 do Código Penal, que data de 1940, era crime "manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fins libidinosos, haja ou não intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente".

Nesses termos, qualquer lugar em que ocorressem encontros com fins sexuais estava proibido. A pena era de dois a cinco anos de reclusão, mais multa. Isso gerou certa discussão, algum tempo atrás, quando surgiram os "motéis", que se destinam a encontros amorosos. Vários deles se espalharam pelas cidades, avançando das estradas e periferias, onde se "escondiam", para dentro dos centros urbanos, entrando definitivamente na vida cotidiana.

Se levada ao pé da letra a anterior redação do artigo 229 acima citada, os motéis ou qualquer outro estabelecimento de alta rotatividade estariam proibidos. Tanto assim que os conservadores tentaram fechar esses estabelecimentos, clamando por rigorosa fiscalização.

No entanto, com o tempo, os motéis se impuseram porque sua finalidade é híbrida: tanto servem para encontros quanto para pernoites. Aproveitando a dubiedade, eles escaparam dos rigores da lei anterior.

As verdadeiras casas de prostituição, porém, continuaram na mira da polícia, pois estava fora de dúvida que exerciam atividade criminosa, nos termos do Código Penal.

Nossa lei nunca puniu a prostituta ou o seu cliente, mas criou regras que dificultam a atividade. Partindo do princípio de que a sociedade não pode prescindir do comércio sexual, haja vista a falência de todas as medidas adotadas para coibir tal prática em todos os tempos, impedir essas(es) profissionais de ter um lugar para trabalhar gera uma situação perversa e injusta, cria constrangimentos na rua e as(os) expõe a variados tipos de risco. Diante disso, a casa é uma solução, não um problema.

Assim, a lei nº 12.015/09 corrigiu uma distorção decorrente de tabus e preconceitos do começo do século passado e passou a considerar crime apenas "estabelecimento em que ocorra exploração sexual", o que foi um grande acerto.

Crime é manter pessoa em condição de explorada, sacrificada, obrigada a fazer o que não quer. Explorar é colocar em situação análoga à de escravidão, impor a prática de sexo contra vontade ou, no mínimo, induzir a isso, sob as piores condições, sem remuneração nem liberdade de escolha.

A prostituição forçada é exploração sexual, um delito escabroso, merecedor de punição severa, ainda mais se praticado contra crianças. O resto não merece a atenção do direito penal. A profissional do sexo, por opção própria, maior de 18 anos, deve ser deixada em paz, regulamentando-se a atividade.

A meu ver, com a recente alteração trazida pela nova lei, os processos que se encontram em tramitação pelo crime de "casa de prostituição", se não envolverem exploração sexual, deverão resultar em absolvição, pois a conduta de manter casa para fins libidinosos, por si só, não mais configura crime. Os inquéritos nas mesmas condições comportarão arquivamento e muita gente que estava sendo processada se verá dispensada da investigação.

Pelo menos, ficaremos livres do desgosto de presenciar a perseguição aos pequenos estabelecimentos, onde o aluguel de um quarto pode custar R$ 5, enquanto as grandes casas se mantêm ativas, apesar da proibição, por conta da eventual corrupção de agentes públicos.

Dessa forma, vamos caminhando no sentido da abolição da perseguição à mulher e do fim do estigma de uma profissão que se reconhece a mais antiga do mundo.

Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo desta quinta-feira (1/10).

Luiza Nagib Eluf é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, autora de vários livros, dentre os quais “A paixão no banco dos réus” e “Matar ou morrer — o caso Euclides da Cunha”, ambos da editora Saraiva. Foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça no governo FHC.

Revista Consultor Jurídico, 1º de outubro de 2009

http://www.conjur.com.br/2009-out-01/manter-casa-prostituicao-si-nao-configura-crime

Reflexões dum juiz sobre contato com advogados, por Edison Vicentini Barroso, Juiz

Passados cerca de vinte e seis (26) anos como magistrado, hoje no Tribunal de Justiça de São Paulo, recebi petição dum advogado, em autos de recurso de que sequer sou relator, dando conta de que ficou sabendo que não recebo advogados para conversas sobre processo. Foi além, juntando precedente de sindicância aberta contra desembargador deste Tribunal, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a pedido da OAB-SP. Aludiu à necessidade de que se lhos receba a qualquer tempo e hora, no expediente forense, “independente da urgência do assunto, e independente de estar em meio a elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio de reunião de trabalho...”. Disse, ainda, ser esse dever funcional, sob pena de responsabilização administrativa. Nesse sentido, requereu fosse por mim externada posição, por escrito, a fim de se lhe permitir ações cabíveis.

Como consabido, para o magistrado, o que não está nos autos não está no mundo (quod non est in actis non est in mundo); ou seja, cabe-lhe analisar e decidir à vista daquilo neles grafado. Fosse doutra forma, inexistiria transparência. O próprio Código de Processo Civil, no seu art. 125, dá os critérios pelos quais se há de dirigir o processo – no sentido de que se assegure igualdade de tratamento às partes e se previna ou reprima qualquer ato contrário à dignidade da justiça.

Bom lembrar que este juiz já foi advogado; então, como inda agora, de forma objetiva e prática, sabia como se avistar com as “figuras do processo” (juiz de direito, promotor de justiça e advogado). Respeitava limites, os legais, atento a regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece. Noutras palavras, procurava falar com o juiz por escrito (petições protocolizadas) – adstrito à transparência de que se devem revestir as coisas da Justiça, no contexto do “mundo dos autos”.

Nos autos, por princípio constitucional/processual, há de se resguardar – dentre outras coisas – contraditório, ampla defesa e isonomia. E processo, como sabido, é uma sucessão de atos e termos (formal, pois) dispostos à realização da justiça. Seres gregários, que somos, é evidente que não me furto à conversação produtiva, feita às claras (a par do já dito) – desde que preservada, fundamentalmente, precisa igualdade de tratamento às partes.

Particularmente, não sei em quê uma “conversa fora dos autos” (aspas minhas) faria diferença em meu juízo – na medida, justamente, em que deles, do contexto abrangente neles disposto, jamais me aparto. Imagine-se, por exemplo, uma Justiça feita de conversa, na base da conversa de gabinetes. Certamente, seria de fachada – um simulacro.

Juiz político não é juiz. A quem julgue só se exige uma política, a da coisa certa a fazer. Magistrado medroso não é magistrado, é fantoche. Quem se curve a ameaças, expressadas ou veladas, não será digno do cargo ocupado.

Por outro lado, o comum da vida nos mostra que, entre pessoas educadas, há limites a respeitar. Por exemplo, jamais me abalançaria a ir portas adentro do escritório dum advogado, estivesse ele fazendo o que estivesse, para, independentemente de qualquer outra coisa (incondicionalmente, pois), com ele me avistar. Além disso resultar da lógica das coisas, tem tudo a ver com a educação da pessoa.

Assim, abstração feita ao quanto já referido, mesmo na recepção de advogados para uma “conversa fora dos autos”, haver-se-á de adotar critérios, sob pena de se instaurar confusão. Está na Constituição Federal: meu direito vai até onde comece o do outro. Isto, sim, é democracia. Portanto, se um advogado, promotor ou juiz estiver em meio a uma reunião, ou mesmo à frente dum trabalho que, momentaneamente, se não possa interromper, não se deve forçar encontro, que, a par de inoportuno, seria contraproducente. Entender-se o contrário, respeitada da opinião, para mim, é remar contra a maré natural das coisas da vida – no que condiz àquilo que normalmente sucede.

O tempo do juiz é demasiadamente precioso – quão escasso –, na árdua tarefa de analisar e decidir milhares de recursos. Neste Estado de São Paulo, mais que noutro qualquer (por seu gigantismo e pela mole de processos). Crê-se o seja, também, o dos advogados. Nesse contexto, enquanto esteja em gabinete, feitas das sobreditas ressalvas (direito ínsito à convicção pessoal e à expressão – constitucionalmente previstos), desde que preservado idêntico direito ao advogado da parte contrária (igualdade de tratamento), este juiz não se furta àquela oitiva; muito embora, sistematicamente, vá retratar da necessidade de se reproduzir nos autos de processo aquilo que se diga – de molde a continuar sempre adstrito aos elementos daqueles, intocada a clareza que deve permear as coisas do Poder Judiciário.

Assim penso, sem hipocrisia. Assim ajo, certo de que a ninguém ofendo e a nenhum direito impeço. Por fim, “não são os postos que honram os homens; são os homens que honram os postos” (Agesilau – rei de Esparta: 399-360 a.C.).

Edison Vicentini Barroso – juiz de direito.