segunda-feira, 30 de novembro de 2009

COM APENAS TRÊS ANOS EM VIGOR, A LEI MARIA DA PENHA, QUE PUNE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, PODE SER EXTINTA PELO SENADO FEDERAL

Conquista ameaçada
ISTOÉ 28/11/2009
Wilson Aquino

Nas palestras em que é convidada a participar nos mais distantes rincões do País, a biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes costuma contar a história da mulher que a abraçou e, chorando, lhe agradeceu porque, desde que o marido da vizinha foi preso por espancá- la, seu próprio companheiro, temeroso de destino idêntico, nunca mais lhe bateu. O caso traduz a essência da Lei Maria da Penha: mais do que punir com rigor os agressores, está modificando a cultura brasileira que tolera e considera normal um marido ameaçar, humilhar e até espancar a mulher. No Brasil, onde muitas leis ficam só no papel, esta surpreendeu por sua aplicação rigorosa e imediata. Entretanto, corre sério risco de ser praticamente extinta. Tudo depende de um projeto de lei em tramitação no Senado. Se aprovado, modifica o Código de Processo Penal, fazendo com que os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher voltem a ser considerados de menor potencial. Na prática isso significa impunidade.
Esses crimes voltariam a ser resolvidos com penalidades pecuniárias, como pagamento de cestas básicas e indenizações. "Estou apavorada com essa reforma", disse Maria da Penha. A preocupação de Maria da Penha, que vive sobre uma cadeira de rodas devido aos tiros que levou de seu ex-marido, um professor universitário que tentou matála por não se conformar com a separação, é a mesma de juízes, defensores públicos e promotores de Justiça que militam na área da violência doméstica.
"A Lei Maria da Penha basicamente é revogada com esse novo Código de Processo Penal", alerta a juíza fluminense Adriana Ramos de Mello, presidente do Fonavid, o fórum que discute a questão da violência familiar. A ministra da Secretaria Especial de Política para as Mulheres (SPM), Nilcéa Freire, também está angustiada. "Esse projeto não pode ser votado da maneira que está porque praticamente acaba com uma lei que a ONU classifica como uma das três melhores existentes no mundo para diminuir a violência contra a mulher", adverte a ministra.
Ninguém é contra a reforma do Código de Processo Penal, que vigora desde 1941. O que aflige é a falta de cuidado da comissão do Senado que redigiu o projeto com a realidade enfrentada pela mulher brasileira. Após a implantação da Lei Maria da Penha, em 2006, as mulheres têm buscado mais os seus direitos. Dados do Conselho Nacional de Justiça estimam em mais de 150 mil o número de processos instaurados nos Juizados da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher no País, a partir da lei. Desde a sua implantação, mais de 1,8 mil homens foram presos e quase 20 mil mulheres foram beneficiadas com medidas de proteção e segurança. "A minha participação, agora, é coletar assinaturas contra a aprovação dessa reforma", diz Maria da Penha.

CENSURA PRÉVIA POR ORDEM DA JUSTIÇA

O GLOBO 29/11/2009
Censura prévia por ordem da Justiça
Jailton de Carvalho
BRASÍLIA. A liberdade de imprensa no Brasil, consolidada desde a redemocratização, nos anos 80, vem sendo alvo de restrições, nos últimos anos, por meio de ordens da Justiça. Relatório da Associação Nacional de Jornais (ANJ) informa que, de 1º julho de 2008 a 1º de agosto deste ano, foram registrados 31 casos de censura prévia, indenizações exorbitantes e ameaças de agressões a publicações e a jornalistas no exercício diário da busca pela notícia. Dos 31 eventos, como classifica a ANJ, 16 deles se referem a ordens judiciais contra a publicação de reportagens.
O relatório informa, ainda, que 10 dos 16 vetos à divulgação de determinadas matérias partiram de instâncias da Justiça Eleitoral ao longo das eleições municipais do ano passado.
Em geral, são ordens contra jornais locais que, em meio ao calor da disputa eleitoral, são obrigados a não divulgar informações comprometedoras contra determinados candidatos.
O caso mais emblemático da censura judicial apontada no relatório da ANJ ainda está em curso. Por ordem do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, o jornal “Estado de S.Paulo” está proibido, desde 1º de agosto, de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, uma investigação da Polícia Federal sobre os negócios do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
— A censura ao jornal privou o leitor de informações que permitiriam fazer um melhor juízo das coisas que estão acontecendo neste momento.
Hoje o setor elétrico está em xeque e foi neste setor que Sarney fez nomeações a rodo — argumenta João Bosco Rabello, um dos diretores do “Estado de S.Paulo”.
Para o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), as restrições impostas a jornais, revistas, rádios e TVs pela Justiça são, em alguns casos, piores até que a censura do período da ditadura militar.
— Algumas ações são típicas do autoritarismo.
Antigamente a censura era exercida pela polícia ou pelo Ministério da Justiça.
Agora ela se tornou mais grave porque está sendo ditada pelo Poder Judiciário — criticou Miro.
Segundo o deputado, quando a ordem para a não publicação de uma matéria parte de um juiz, o cidadão comum tem dificuldade de entender se a censura está correta ou não. Miro se tornou uma referência sobre o livre fluxo de informações porque foi a partir de uma de suas iniciativas que o Supremo Tribunal Federal (STF) revogou a Lei de Imprensa em abril deste ano. Para muitos jornalistas e donos de jornais, a extinta lei — editada em 1969 durante o regime militar — era um forte entrave à plena liberdade de imprensa.
A preocupação do deputado com a chamada censura judicial também é partilhada pela ANJ.
— O que temos de mais grave são decisões judiciais impondo censura prévia na contramão do que diz a Constituição — afirmou Ricardo Pedreira, diretorexecutivo da ANJ, entidade que representa a maioria dos jornais em circulação no país.
As entidades representativas de empresas de comunicação contabilizam como importante vitória o embate que resultou na desistência do governo federal de enviar ao Congresso um projeto de criação do Conselho Nacional de Comunicação, ainda no mandato do presidente Lula.
O receio agora é em relação ao resultado da 1aConferência Nacional de Comunicação, organizada pelo governo e por entidades sindicais e prevista para acontecer entre 14 e 17 de dezembro.
O PT deverá apresentar na conferência um projeto sobre controle público dos meios de comunicação.
Para a ANJ, não há necessidade de instrumentos de controle. A entidade entende que eventuais desvios podem ser corrigidos com a regulamentação do direito de resposta em trâmite, no Senado.
— Tradicionalmente os governos, os políticos, e não apenas aqueles que estão no poder, têm dificuldades de lidar com a imprensa. É uma tensão permanente dos governos diante da imprensa. Quando estão na oposição, aplaudem; quando estão no governo, criticam — afirma Pedreira