terça-feira, 29 de setembro de 2009

Em entrevista, Gilson Dipp fala sobre as pressões sofridas para investigar juízes e desembargadores

Extraído de: OAB - Rio de Janeiro - 27 de Setembro de 2009

A seguir, Gilson Dipp fala do trabalho no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e as pressões sofridas por investigar juízes e desembargadores. "Há um juiz auxiliar meu que costuma dizer que os tribunais brasileiros são formados por duques, condes, lordes e fidalgos comandados por um rei, o presidente, com mandato de dois anos", afirma Dipp. Segundo ele, é elitista quem comunga a ideia de que o CNJ expõe a magistratura brasileira.

Qual a consequência direta e imediata dessa ofensiva do CNJ nos tribunais de Justiça dos estados?

Agora, apenas em consequência da notícia extraoficial de que vai haver uma inspeção, os tribunais já modificam uma série de atitudes, fazem julgamentos de muito mais processos. Esta é justamente a nossa missão, melhorar as práticas. Uma equipe de controle interno examina contratos de licitações, obras, pessoal, a quantidade de concursados em relação à de comissionados, a lotação dos gabinetes dos desembargadores, a carência de juízes de primeira instância. É um diagnóstico muito maior do que uma inspeção somente processual.

O que mais tem chamado a atenção nas inspeções?

As audiências públicas, que são um desaguadouro das manifestações não só das entidades ligadas ao Judiciário, mas de cidadãos que nunca tiveram voz. Já passei sete horas ininterruptas em audiências públicas, onde as pessoas vão reclamar e falam ao presidente e ao corregedor do Tribunal de Justiça coisas que eles nunca ouviram nem de juízes, quanto mais de simples cidadãos. Na última audiência pública no Ceará, em agosto, para surpresa nossa, quem apareceu para apresentar uma reclamação foi a Maria da Penha, da Lei Maria da Penha. Ela pediu agilidade no processo dela porque a Justiça local ainda não concluiu o caso. O processo que gerou a lei. Isso é fruto da completa falta de planejamento, gestão e, principalmente, informação. A informação é o que faz com que tenhamos transparência.

Essas inspeções revelaram um Poder Judiciário corrupto?

Temos várias questões em apuração, outras que foram apuradas, com indícios de desídia (negligência) e indícios sérios de desvio de conduta, como sentenças de liberação de grandes valores em dinheiro. Isso é uma coisa recorrente em vários estados, normalmente em plantão judiciário. ocorre em processos que já estão circulando há dois anos, sem nenhuma pressa, e de repente surge uma liberação sem se ouvir a parte contrária. Havia uma inércia das corregedorias dos tribunais. Se elas fossem atuantes, o CNJ não precisaria fazer esse tour de force que estamos fazendo agora.

Qual o nível dos servidores do Judiciário brasileiro?

Um dos problemas graves é que as varas de Justiça do interior não têm funcionários concursados. A grande maioria é de servidores cedidos pela municipalidade, pessoas que não são habilitadas para tratar de processos. A nossa determinação é a de que esses funcionários sejam gradativamente devolvidos, realizados concursos públicos e readequados os orçamentos. Isso porque as verbas destinadas ao Judiciário são pequenas e, em geral, pessimamente administradas. Centralizam-se as verbas nos tribunais e deixam a Justiça de primeiro grau à míngua.

Por que só agora o CNJ, criado em 2005,partiu para uma ofensiva junto aos tribunais de Justiça?

Vontade política, só isso. E, é claro, necessidade de se fazer alguma coisa concreta em relação ao Judiciário. Precisávamos verificar in loco o que acontecia na Justiça brasileira. E não foi só em tribunais estaduais. Fizemos inspeções, mas ainda não terminamos o relatório, no Tribunal Regional Federal da P Região, que abrange metade do território brasileiro.

Essa ofensiva é uma vontade política de quem?

É do Conselho Nacional de Justiça como um todo, desde o colegiado, que mudou a sua postura. O Gilmar (Mendes) viu que o CNJ é o órgão de modificação do Judiciário. Na Corregedoria, tivemos uma postura proativa. Não ficamos mais aqui recebendo processos e vendo na tela o número dos processos.

Por que o CNJ não tem jurisdição sobre o STF? Não se trata de um tribunal como outro qualquer, pago pelo mesmo contribuinte?

Porque, pela interpretação constitucional, são órgãos do Poder Judiciário, primeiro, o Supremo Tribunal Federal, segundo, o CNJ, depois, os tribunais superiores. Mas, embora não tenha jurisdição, evidentemente que algumas politicas públicas praticadas pelo CNJ tiveram adesão espontânea do Supremo, como é o caso da Meta 2, de julgamentos (até dezembro de 2009) de processos que deram entrada na Justiça até 31 de dezembro de 2005.

Mas foi justamente uma noticia do site do CNJ, dando conta da Meta 2 no STF, há quinze dias, que provocou uma reação nervosa do ministro Março Aurélio Mello, durante o julgamento do processo de extradição do italiano Cesare Battisti.

Tinha havido uma sessão administrativa antes em que, espontaneamente, os demais ministros, vencido o ministro Março Aurélio, disseram que se tinha de fazer o possível para cumprir esse tipo de meta, por ser uma meta de todo o Judiciário. No caso do STF, não é obrigatório, mas foi por adesão. Os tribunais superiores não se deram bem conta do que é o CNJ e o que ele está fazendo. Talvez até alguns ministros do STF não tenham noção exata das nossas dificuldades.

Nunca houve uma reação corporativa do Judiciário por conta dessa ofensiva do CNJ?

Quem acha que estamos expondo demais a magistratura não tem noção do que está acontecendo. Ouvi de muitos colegas que a ação do CNJ poderá expor e desgastar a imagem do Judiciário. Desgastar o quê? Expor o quê? Somos prestadores de um serviço público e temos de prestar contas à sociedade. Isso é uma visão elitista, de casta. Há um juiz auxiliar meu que costuma dizer que os tribunais brasileiros são formados por duques, condes,lordes e fidalgos comandados por um rei, o presidente, com mandato de dois anos.

Depois de ver tudo isso, o senhor acha que o Judiciário brasileiro tem jeito?

Tem, tem. Está sendo consertado, tem jeito, a maioria é competente. O Judiciário brasileiro, na América Latina, ainda é o que tem o maior grau de independência e autonomia. E somos a magistratura mais bem paga da região. Mas é um trabalho para ser feito em um prazo de dez anos.

Autor: Da revista Carta Capital

REFLEXÕES SOBRE A “META 2” DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

(29.09.09)

Por Edgard Antonio Lippmann Júnior,
membro do TRF-4


O tema proposto tem gerado inúmeros questionamentos, com ênfase para aquele feito pelo ministro Marco Aurélio, na sessão plenária do STF do último dia 16, quando apresentados os resultados da “Meta 2” pelo presidente do STF e do CNJ, ministro Gilmar Mendes.

Na ocasião, o ministro Marco Aurélio fez questão de enfatizar que lamentava a imposição de diretriz editada por órgão administrativo (no caso o CNJ), no sentido de compelir a atuação jurisdicional – inclusive pelos tribunais superiores -, especialmente por buscar a agilidade em detrimento da qualidade da referida prestação, temendo que decisões injustas possam a vir a ser proferidas tudo por temor de possíveis represálias funcionais.

A questão é polêmica e delicada. Digo isto baseado na experiência amealhada nestes mais de 20 anos de magistratura (dez dos quais já no TRF-4, onde tive o privilégio de responder pelas coordenações do programa de qualidade dos juizados especiais federais e pelo sistema de conciliação).

É a velha luta travada entre os ideais de rapidez/celeridade com a segurança jurídica. Tudo que é seguro tende a ser demorado (vide por exemplo: um processo seguro seria aquele que alçou a todas as instâncias possíveis, até o STF); ao revés um processo célere tende a ser injusto por falta de melhor estudo e reflexão sobre os fatos narrados, agravado pela questão da falta de recursos orçamentários ao Poder Judiciário, excesso de carga de trabalho etc. Este dilema, portanto, assombra a todos os atores do processo.

Deixando de lado estas querelas, voltemos ao tema inicial. Muito embora se possam apontar, correlatamente, pontos negativos, vejo aspectos positivos quanto a fixação de metas, pautando a atuação do Poder Judiciário, em cumprimento a garantia constitucional da duração razoável de tramitação do processo, no caso concreto metas em numero de dez, propostas pelo CNJ e aprovadas no 2º Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado em Belo Horizonte (MG), em 16.02.09.

Diz textualmente a “Meta 2”: identificar os processos judiciais mais antigos e adotar medidas concretas para o julgamento de todos os distribuídos até 31.12.05 (em primeiro e segundo graus ou tribunais superiores). Objetivando implementá-la o presidente do CNJ, o corregedor nacional de Justiça, o corregedor geral da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho, emitiram a Resolução Conjunta nº 01 (de 04.08.09), em que, além de disporem de medidas concretas para tal agilização, obrigam os TRFs e do Trabalho a informar às corregedorias respectivas, mensalmente, o quantitativo de processos remanescentes e pendentes de julgamento , quanto aos feitos distribuídos até 31.12.05, além de estabelecerem critérios para remoção e promoção de magistrados.

Como pontos positivos aponto a necessidade de as unidades jurisdicionais desenvolverem técnicas de gestão processual (aliás idéia embutida nas metas 1 e 6), de sorte a poderem cumprir com os indicadores objetivos definidos nesta “Meta 2”, acabando de vez que o hábito antigo de que cada magistrado seria o “dono” da vara/cartório.

Também como ponto positivo aponto a maior transparência da atividade judicial, na medida em que tanto os tribunais como o próprio CNJ passam a divulgar, regularmente, os dados estatísticos da produtividade. Aliás, no saite do CNJ, na página de abertura, vemos o “processômetro”, bem como o projeto “Justiça em Números”.

Como pontos negativos vislumbro a possível perda da qualidade das decisões, isto porque o magistrado que possua vários processos incluídos nesta meta, como tem sobre si a “espada de dâmocles” (vide Resolução Conjunta nº 01) fatalmente irá priorizar decisão nestes feitos, deixando de privilegiar uma maior profundidades quanto a seu exame.

Ainda mais, em razão desta necessidade de cumprimento de prazos, na prática, deixará de lado feitos mais recentes, inúmeros dos quais com perspectiva de perecimento de direito (mandado de segurança, medida cautelar etc), fato aliás que já vem ocorrendo em algumas unidades judiciais tanto na Justiça estadual como na federal.

Outro aspecto negativo que pode se vislumbrar é o de que estaria a criar um fenômeno cíclico, isto é, ano que vem teríamos nova “Meta” para processos distribuídos até 31.12.2006 e assim sucessivamente, de sorte a condicionar anualmente tal produtividade, com os reflexos perversos antes mencionados.

Concluindo, estamos diante de novos desafios para o Poder Judiciário que certamente receberá algumas críticas. Até porque - como dizia o grande sábio Albert Einstein - "é mais fácil quebrar um átomo que um hábito".

No contexto, entretanto ganha a eficiência e eficácia das decisões judiciais, onde reflexamente sai ganhando a cidadania.

(*) E-mail - edgard.lippmann@gmail.com

http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=16223&utm_source=PmwebCRM-ESPACOVITAL&utm_medium=Not%c3%adcias%20de%20casos%20judiciais%20-%2029.09.2009

RÉU REJEITA PENA ALTERNATIVA E PEDE PARA SER MANTIDO NA PRISÃO

(29.09.09)

O TJ de Minas Gerais decidiu que é legítimo o pedido de um trabalhador rural de não cumprir pena em liberdade. Ele foi condenado sob acusação de porte ilegal de arma.

A Justiça de primeira instância estabeleceu que a pena restritiva de liberdade seria substituída pela restritiva de direitos (prestação de serviços e pagamento de multa), mas o réu pediu para continuar detido. A alegação foi a de que prestar serviços e multa em lugar da prisão não o ajudaria, pois seria incompatível com sua rotina de trabalho e com sua situação financeira.

Diante da especificidade do caso e acatando uma recomendação da Procuradoria Geral de Justiça, a turma julgadora do TJ-MG determinou que A.C.P.S. não será preso, mas ficará por dois anos sob o regime de sursis especial, isto é, sua pena ficará suspensa em função de ele não representar perigo para a sociedade e devido a circunstâncias jurídicas favoráveis.

Em geral, a restrição de direitos é considerada mais benigna para o preso, mas a suspensão condicional da pena é prevista pelo Código Penal Brasileiro. Por meio desse procedimento, o réu fica obrigado a comparecer perante o juiz de Execução Penal e obedecer às suas condições pelo tempo estipulado na sentença. Ao final deste período, se ele tiver observado corretamente o que foi determinado, a punição é extinta.

Essa medida pode ser revogada caso o réu deixe de obedecer a todas as determinações da sentença.

Para entender o caso

* O acusado, um cortador de cana, 29 da idade, morador de Itaipé, no Vale do Jequitinhonha, foi preso na noite do dia 16 de novembro de 2005 com uma faca peixeira e uma espingarda de fabricação caseira. Ele teria ameaçado de morte J.G.M.M., proprietário de um bar da região, depois que ambos tiveram um desentendimento.

* Testemunhas afirmam ter visto o lavrador rondando a casa de J.G.M.M. e declarando seu propósito de atirar nele. Este, assustado, chamou polícia que prendeu o trabalhador rural em flagrante. A vítima manifestou não ter interesse em registrar queixa contra o réu.

* Segundo informações dos policiais, A.C.P.S., que é semianalfabeto, não reagiu à prisão nem ao comando de entregar as armas que trazia consigo. Ele afirmou que chegou a ser agredido fisicamente durante a discussão, mas confirmou as informações prestadas pelas testemunhas e por J.G.M.M, atribuindo seu comportamento ao fato de estar embriagado na ocasião da briga.

* Em 30 de novembro de 2005, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais ofereceu denúncia contra o lavrador, mas recomendou que ele respondesse em liberdade, já que não tinha antecedentes criminais e possuía residência fixa e conhecida. Segundo o parecer do MP-MG, “a soltura do acusado não acarretava risco para a sociedade nem para a instrução criminal”.

* Em 23 de julho de 2007, a juíza da Vara Única da comarca de Novo Cruzeiro, Andreya Alcântara Ferreira Chaves, determinou que o réu cumprisse pena de dois anos de reclusão em regime fechado e 10 dias/multa. Mas, considerando as circunstâncias atenuantes, substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito: multa no valor de um salário mínimo em favor de entidade a ser definida na fase de execução e prestação de serviços à comunidade, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação.

* O trabalhador, todavia, decidiu apelar da decisão em 5 de dezembro de 2008, alegando que não tinha como pagar o montante exigido e que, caso o fizesse, comprometeria o sustento de sua família, pela qual é responsável. Afirmou, ainda, que não poderia deixar seu trabalho para prestar serviços em outras localidades e solicitou a manutenção da sentença inicial. “Ficar uma hora por dia por conta de atividades em locais distantes é totalmente contramão”, finalizou.

* A segunda instância acatou o pedido do réu e a decisão foi reformada. “A pretensão recursal merece acolhida. Ninguém melhor que o réu sabe se a substituição de sua pena de reclusão é o ideal para ele”, considerou o relator do processo, desembargador Adilson Lamounier. “Neste caso, nem a prisão é necessária, nem a pura substituição por penas restritivas de direitos é adequada”, concluiu.

* Acompanhando o relator, os desembargadores da 5ª Câmara Criminal do TJ-MG deram provimento ao pedido, suspendendo a pena privativa de liberdade. Mas, ante as peculiqridades, o julgado dispôs que "o réu não será preso, mas ficará por dois anos sob o regime de sursis especial". Com isto, a pena ficará suspensa em função de ele não representar perigo para a sociedade e devido a circunstâncias jurídicas favoráveis. (Proc. nº 1.0453.05.007738-8/001 - com informações do TJ-MG e da redação do Espaço Vital).

http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=16220&utm_source=PmwebCRM-ESPACOVITAL&utm_medium=Not%c3%adcias%20de%20casos%20judiciais%20-%2029.09.2009