quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Guarda de crianças deve ser julgada em país de origem - TJ paulista devolve duas crianças para Angola

Mesmo quando envolve países não signatários da Convenção de Haia, a retirada de uma criança de seu domicílio habitual sem autorização de ambos os pais é considerada sequestro internacional, o que obriga a devolução imediata, para que o processo seja julgado no país de origem. O entendimento foi firmado recentemente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que determinou que duas crianças voltassem para Angola. O caso foi julgado pela Justiça estadual justamente porque Angola não é signatária da Convenção. Para a Justiça, o caso se trata de uma ação de guarda, na qual pai e mãe disputam o direito à companhia permanente dos filhos.De acordo com o advogado da mãe das crianças angolanas, Ricardo Zamariola Júnior, do escritório Tranchesi Ortiz, Andrade e Zamariola Advocacia, a decisão é um avanço do Judiciário. Segundo ele, quando a Justiça define a aplicação da Convenção, o juiz não determina que a guarda será do pai estrangeiro, e sim que o estado anterior seja restaurado. "Essa restauração pode ser feita mesmo que um país não seja signatário da Convenção", diz.O casamento dos pais aconteceu em setembro de 2003, em Angola. As filhas nasceram no Brasil — a mais velha em janeiro de 2005, e a mais nova em março de 2007. A família foi morar em Luanda, na Angola. Em fevereiro do ano passado, o casal se separou de fato e os órgãos competentes daquele país decidiram que a guarda das crianças seria da mãe.No dia 28 de junho de 2009, o pai tirou as menores de Angola e as trouxe para Campinas (SP) sem o consentimento da mãe ou da Justiça angolana. No Brasil, ele deu entrada em processo que pedia a guarda das filhas. A 4ª Vara de Família de Campinas concedeu a guarda provisória.Em julho de 2010, o mesmo juízo revogou a decisão e, por sentença, concedeu a guarda definitiva à mãe. Por meio de Mandado de Segurança, o pai obteve, no Tribunal de Justiça de São Paulo, liminar que garantiu a permanência das filhas no Brasil até que sua apelação fosse julgada pelo próprio tribunal.No último dia 10 de novembro, o recurso foi julgado e rejeitado por unanimidade pelos desembargadores da 7ª Câmara de Direito Privado. Assim, foi determinando que as crianças voltassem com a mãe para Angola. O caso está sendo julgado lá.
História conhecida
Em 2001, o menino Iruan Ergui Wu viveu a mesma situação. O pai de Iruan é taiwanês, e a mãe, brasileira. Depois da morte da mãe, o menino ficou sob a guarda da avó materna, brasileira. Mas o pai de Iruan o levou para Taiwan para conhecer a família paterna.Nesse meio tempo, o pai de Iruan morreu, e sua família recusou-se a devolver o menino para a avó brasileira. O conflito judicial durou até 2004, até que Iruan foi devolvido para a avó brasileira. Taiwan não é signatária da Convenção. Em outro caso, julgado definitivamente no último dia 12 de novembro, a Advocacia-Geral da União conseguiu, na Justiça, a devolução de dois irmãos, menores, ao Canadá. As crianças estavam retidas indevidamente no Brasil pela mãe desde setembro de 2009.A mãe tentou suspender, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, os efeitos de uma ordem judicial de 1ª instância que determinou o retorno das crianças ao Canadá, sem sucesso. Recorreu então ao Superior Tribunal de Justiça, onde a decisão foi novamente mantida, no mês passado.A carioca Maristela dos Santos, teve dois filhos com o austríaco Sasha Zanger. Trouxe, da Áustria, ambos ao Brasil. Uma filha, porém, foi morta, vítima de maus tratos. A suspeita é que a tia e a prima da menina sejam culpadas. A mãe da criança disse sofrer problemas mentais e, por isso, deixava as crianças com a irmã.Zanger culpa a Justiça brasileira pela morte da filha. Ele diz que a menina e o irmão dela, de 12 anos, foram trazidos pela ex-mulher sem sua permissão. Outra disputa envolveu um menino nascido no Rio Grande do Sul, filho de mãe brasileira e pai coreano. Quando a mãe morreu, o pai levou o menino para visitar parentes na Coreia, onde também morreu. O tio coreano da criança queria que ela ficasse no país. Já a Justiça coreana decidiu que o menor fosse devolvido para a avó materna, em Porto Alegre. Foi levado em consideração o laço biológico mais direto. O caso mais recente, que ganhou repercussão nacional e internacional, foi o do menino Sean Goldman. Em 2004, a mãe de Sean, Bruna Bianchi, trouxe o filho para passar férias no Brasil, mas não retornou aos Estados Unidos. O pai, David Goldman, acionou a Justiça americana que, por sua vez, solicitou a cooperação da Justiça brasileira, apelando à Convenção de Haia.
Durante o processo, Bruna faleceu. O então padrasto do menino, o advogado Paulo Lins e Silva, ex-presidente da Federação Interamericana de Advogados, entrou na batalha judicial pela guarda, ao lado dos avós maternos de Sean. De outro lado, quem representou judicialmente os interesses do pai biológico de Sean foi a Advocacia Geral da União.De acordo com a advogada Daniella de Almeida e Silva, do escritório Mesquita Pereira Advogados, a Convenção de Haia tem recebido respaldo da Justiça nos casos de sequestro. "A Convenção trata dos aspectos civis da subtração internacional de menores, por meio de um de sistema de cooperação de autoridades centrais, e um procedimento célere", explica. Segundo ela, o número atual de 87 países signatários deve aumentar, devido à globalização. Uma Proposta de Emenda à Constituição pode facilitar o julgamento de situações desse tipo. A PEC 512/2010 tem como objetivo transferir da Justiça Federal para a Justiça Estadual a competência de julgamentos de causas de interesses de crianças, mesmo que as razões estejam fundadas em tratados internacionais. O autor da proposta é o deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA). Segundo Daniella Silva, as varas da Família estão melhor aparelhadas para julgar esses casos."É importante que o juiz ouça o corpo técnico de psicólogos, assistentes sociais, faça a análise na casa do pai, na casa da mãe, para descobrir o que é melhor para o interesse dessa criança", diz. Segundo números da Advocacia Geral da União, desde 2002, o Departamento Internacional do órgão ajudou a repatriar mais de 20 crianças da Argentina, Itália, Portugal, Estados Unidos, Canadá, Suécia, Uruguai, Suíça, Alemanha, Inglaterra, Peru, Noruega, Holanda, Israel, Austrália e Paraguai. Mais de 40 crianças ainda esperam decisão da Justiça para saber se ficam no Brasil ou se voltam para seu país de origem. Entre 2003 e 2009, houve 210 pedidos de repatriação vindos do exterior.
Mayara Barreto
Consultor Jurídico