domingo, 29 de agosto de 2010

De juízes e de blindagens

O TÍTULO SINTETIZA a variável principal da entrevista dada pelo ministro Gilson Dipp, corregedor-geral do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ao repórter Frederico Vasconcellos, nesta Folha, na última segunda-feira.Vasconcellos, em 13 perguntas, conseguiu uma súmula dos problemas que o Judiciário enfrenta na atualidade conturbada de processos e disputas. Em uma delas, estão mescladas surpresa e preocupação com o que Dipp encontrou.
No começo, diz o corregedor, houve reação muito grande, em tribunais estaduais controlados por "barões, duques, fidalgos, com um rei a cada dois anos", quando chegava a eleição do novo presidente.É possível que o leitor veja exagero nisso, mas quem vive a Justiça em termos nacionais -caso do corregedor-geral do CNJ- sabe que não é. Os "barões" se entendem credores de todos os direitos.A entrevista do ministro Dipp é significativa porque ele não refugou ao enfrentar seis perguntas que pediam respostas referidas a juízes e ministros da ativa ou afastados. Emitiu sua opinião.
Sendo jornalista e advogado, evito referir-me a juízes em atividade, especialmente quando possam intervir em questões de interesse de clientes. No caso de Dipp, porém, tenho defendido clientes no CNJ com todo o empenho, sem gerar situações anormais ou desagradáveis.Desde que se começou a falar na criação do Conselho Nacional de Justiça, fui favorável à ideia, porque não há organização coletiva que dispense alguma forma de controle externo. A alegação de que o controle externo fere a liberdade do Judiciário, enquanto Poder constituído, só é verdadeira em parte.De concreto, porém, o Poder Judiciário -conforme disse originariamente o ministro Sydney Sanches, quando foi presidente da entidade nacional de juízes-, de tanto aceitar sem reagir o predomínio do Poder Executivo, acabou abdicando de algumas de suas missões institucionais, sem defender a validade da norma constitucional afirmadora de sua independência econômica e administrativa. O Judiciário sempre compõe com o Executivo.
O drama da demora dos processos é típico de nossa Justiça. Claro que a primeira acusação, de demora no andamento dos processos, do início ao julgamento final, não é só defeito dos juízes. Tão injusta quanto a culpa atribuída exclusivamente ao excesso de recursos.
Na segunda metade do século 20, vendo a avalanche de novos processos, sem que os tribunais, em todos os segmentos em que o Poder se divide, dessem atenção ao tsunami que se preparava. Os de hoje têm sua carga de responsabilidade, mas será injusto esquecer os antigos, que não se preocuparam suficientemente com o previsível furacão. Eles também têm sua culpa no cartório.Assim, a solução não está em clamar contra a escuridão, mas em acender novas velas que iluminem o caminho. Invoco o mau exemplo de São Paulo. Os tribunais estaduais contrataram sistemas eletrônicos diferentes, impedindo a intercomunicação pela internet. Os vários segmentos do Judiciário paulista não dialogavam. Cada um queria o seu, como se fossem carros na mesma pista de autorama, mas em faixas diferentes.
Quando se pensa em juízes e em blindagem contra a corrupção, a grande blindagem deverá decorrer de serviços prestados com qualidade que multiplique sua eficácia.
WALTER CENEVIVA - Jornal Folha de São Paulo

Juiz militar do caso Cissa é preso por furto de cabos de telefonia no Rio

O juiz militar e capitão da PM Lauro Moura Catarino foi preso enquanto furtava cabos de telefonia da Oi, na Praia de Botafogo, no Rio, na madrugada da última sexta-feira (27). O capitão era responsável por julgar os PMs acusados de receber propina para liberar o atropelador do músico Rafael Mascarenhas, filho da atriz Cissa Guimarães. Poucas horas antes da prisão, ele havia participado na quinta-feira (26) da audiência da Auditoria Militar em que os PMs acusados foram ouvidos. Além de Catarino, outro policial foi preso no mesmo episódio: o capitão do Batalhão de Choque Marcelo Queiroz dos Anjos.
O comandante-geral da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, determinou que se inicie imediatamente um processo disciplinar com o objetivo de demitir os oficiais, que já foram afastados de suas atividades. A PM disse que não vai esperar a conclusão do inquérito da Polícia Civil para tomar providências. "É inadmissível que policiais pagos com dinheiro público para proteger a população e bens privados e públicos se envolvam em atos como os descritos", disse.
Os oficiais foram autuados por furto e formação de quadrilha. Eles foram levados para o Batalhão Especial Prisional, em Benfica, na zona norte do Rio. O capitão Catarino foi afastado da Auditoria Militar e será substituído por outro oficial. A investigação sobre as atividades da quadrilha durou dois meses. Segundo o delegado titular da 9ª DP, Alan Luxardo, a quadrilha lucrava até R$ 400 mil por mês.
Lara Velho, enteada de Cissa Guimarães, disse que o capitão Catarino não tem credibilidade para conduzir um interrogatório de policiais. "Não tenho medo de que haja um atraso no processo de investigação. O importante é chegar a uma conclusão justa e correta. É óbvio que tem muita maçã podre na polícia, o importante é que essas pessoas sejam afastadas", disse.
CASO
Rafael Mascarenhas, 18, filho caçula da atriz da Cissa Guimarães, morreu após ser atropelado em um túnel na Gávea, zona sul do Rio, no dia 20 de julho. Ele chegou a ser levado com vida para o Hospital Municipal Miguel Couto, na Gávea. Ele passou por uma cirurgia, mas não resistiu aos ferimentos e morreu ao final do procedimento médico. Em depoimento à polícia, o empresário Roberto Bussamra --pai de Rafael Bussamra, que confessou ter atropelado Mascarenhas-- disse que os policiais que liberaram o Siena de seu filho pediram R$ 10 mil de propina e combinaram de receber o dinheiro no dia seguinte, na praça Mauá, centro do Rio. O empresário acompanhou o filho no momento do pagamento, já pela manhã de quarta-feira (21), mas recebeu uma ligação da mulher informando que a vítima era filho da atriz Cissa Guimarães e estava morto. Segundo o depoimento, ele passou mal com a notícia e os policiais deixaram o local com R$ 1.000.
O sargento da PM Marcelo José Leal Martins e o cabo Marcelo Bigon, do 23º Batalhão da PM do Rio, estão em prisão administrativa acusados de cobrarem propina de Bussamra para liberar o carro.
A promotora Isabella Pena Lucas --titular da 1ª Promotoria de Justiça da Auditoria Militar do Estado do Rio-- denunciou à Justiça Militar, o sargento Marcelo Leal de Souza Martins e o cabo Marcelo Bigon por três crimes: corrupção passiva, falsidade ideológica e descumprimento de missão. Na denúncia também consta que os PMs apresentaram o boletim de ocorrência com informação falsa, descrevendo a liberação do veículo de Rafael Bussamra sem a constatação de irregularidades.
Jornal Folha - Cotidiano