sábado, 17 de outubro de 2009

O MITO DO "PSICOPATA MIMADO"

Montserrat Martins*

Quer criar um psicopata ? Faz todas as vontades do teu filho.” (chavão popular)

As mudanças acontecem da sociedade para a família, do sistema maior para o menor e não o contrário.” (Salvador Minuchin, terapeuta familiar)

Alunos agressivos com professores e colegas, nas escolas, tem gerado debates sobre o papel dos pais na educação dos filhos, com ênfase no chavão de que jovens violentos são fruto da superproteção. Analisemos essa tese, à luz dos conhecimentos científicos disponíveis.

Sim, é verdade que limites são fundamentais no desenvolvimento emocional na infância e na adolescência. Mas o efeito mais imediato de um filho ser “mimado” não é que ele vá se tornar um psicopata, pois o que a superproteção mais produz é o chamado “bebê chorão”, alguém que não sabe lidar com o mundo real porque foi criado numa “redoma da vidro”. Isso é biológico: pesquisas com cães comprovaram que os “mimados” não tinham qualquer reação agressiva ao corte do rabo, enquanto os maltratados reagiam à simples aproximação das pessoas.

Pesquisas com adolescentes homicidas, relatadas por J.Necyr, comprovaram que a grande maioria provinha de ambientes violentos, tendo sofrido maus tratos físicos e psíquicos desde pequenos (de modo análogo aos abusadores que foram abusados na infância), muitas vezes pelos próprios pais ou padrastos que, por sua vez, com freqüência estavam sob efeito de álcool ou outras drogas. Outras pequisas, como a de J.Trindade, apontam também que o abandono paterno aumenta em cerca de vinte vezes o risco de atos infracionais.

Os jovens que lotam a Fase (antiga Febem) e os presídios não são “filhinhos do papai e da mamãe”, são provenientes de lares desestruturados e de regiões sob controle do tráfico de drogas, às margens dos serviços do Estado. Jovens que aterrorizam as escolas já estão fora do controle dos pais há muito tempo, quando já não estão na ruas, “adotados” pelos traficantes.

Sim, também são observadas mães destes jovens com posturas superprotetoras, minimizando os atos dos filhos. Mas isso costuma ser uma atitude compensatória ao abandono paterno e uma expressão do sentimento de impotência e desespero de mães que também já perderam o controle da situação. Nada que se compare ao contexto de pessoas com melhores recursos, capazes de proporcionar outras alternativas para os seus filhos rebeldes.

Enfim, se o mito do “psicopata mimado” não corresponde à realidade, porque ele persiste há décadas ? Talvez porque gostaríamos que fosse verdade, que as famílias - mesmo as desestruturadas e ditas “socialmente vulneráveis” - fossem capazes de proporcionar limites que o Estado também não tem proporcionado. Mas como assinalam todos os estudiosos dos sistemas sociais, incluindo terapeutas familiares como Minuchin, são os costumes sociais que mudam as famílias e não o contrário. A violência é mais que uma questão de polícia e também está além do controle familiar, é uma questão socioeconômica e cultural que requer ações de Estado e das instituições sociais, como é o caso, por exemplo, da campanha contra o crack.

*Psiquiatra

http://magrs.net/?p=8782

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