segunda-feira, 16 de novembro de 2009

MAS, AFINAL, O QUE É COOPERAÇÃO JUDICIAL, POR JOSÉ EDUARDO RESENDE CHAVES JUNIOR, JUIZ

José Eduardo de Resende Chaves Junior[1]

Além da cooperação internacional, no Brasil a cooperação interna deve ser mais explorada, a partir de mecanismos simples e sem qualquer custo, como a função de 'magistrado de enlace' ou o 'atlas judiciário'. A perspectiva da cooperação fundada em mecanismos informais entre juízes e tribunais, além de imprimir maior celeridade e eficácia aos atos que devam ser praticados fora da competência territorial ou material do juiz, permite que o Judiciário se descole do modelo conflituoso para lidar com a sobreposição de competências.

Fala-se, agora, muito em cooperação judicial, que é um conceito de história recente na doutrina brasileira. Tradicionalmente temos duas formas básicas de cooperação judicial, uma interna (ou judiciária), representada principalmente pela carta precatória e outra externa (ou interjurisdicional), por meio da carta rogatória. São mecanismos antigos, do tempo em que as demandas eram essencialmente locais.

Hoje o capital é nômade, a empresa é desterritorializada e as relações humanas e jurídicas são potencializadas eletronicamente. O espaço ganha a quarta dimensão: o plano virtual. Esse universo das novas tecnologias da informação e comunicação não tem fronteiras territoriais, nacionais, e nem o processo eletrônico (Lei 11.419/2006) consegue mais separar o que está nos autos eletrônico do mundo virtual.

A complexidade desse emaranhado de vida, cultura, ‘desterritório’ e q-bits tende a congestionar e a paralisar os sistemas jurídicos, que não foram dimensionados para suportar o alto grau de interação social imposto pela transnacionalização e pelo data space. Os próprios vocábulos – precatória e rogatória – dão bem a idéia da obsolescência dos mecanismos tradicionais de cooperação judicial.

A cooperação judicial tem um amplo campo de aplicação nas questões que envolvem as sobreposições de competências. Hoje, pela teoria processual, esse sistema, principalmente no plano interno, é concebido de uma forma muito litigiosa, como indica o próprio nome do instituto: ‘conflito’ de competência.

O ideal é que troquemos o conflito pela cooperação. Melhor que o confronto é a colaboração entre juízes. Geralmente, quando se suscita um conflito positivo de competência é porque ambos os juízes têm funções jurisdicionais a serem cumpridas, e que podem ser perfeitamente compatibilizadas, desde que o ordenamento tenha institutos adequados a esse tipo de atuação cooperada. Confrontar órgãos judiciais é pura perda de tempo, dinheiro público e energia forense. Confluir competências, por meio de cooperação, vai tornar o processo mais rápido, barato e eficaz.

Cooperação judicial é a palavra de ordem na Europa hoje. A União Européia é um sistema jurídico extremamente complexo, que imbrica várias ordens de sistemas: quase 3 dezenas de tribunais supremos, que geralmente cuidam dos sistemas legais, outro tanto de tribunais constitucionais e o Tribunal de Justiça Europeu, esse último, tratando do Direito Comunitário.

Além disso, temos ainda o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que aplica o Direito Internacional, propriamente dito, relativo a Direitos Humanos e Fundamentais, e que a cada dia vai ganhando importância e interferindo indiretamente, mas de forma concreta, nas decisões das cortes nacionais.

Tudo isso se torna ainda mais complexo, quando pensarmos na profusão de leis nacionais, comunitárias, internacionais, convênios e contratos trasnacionais que, não bastasse, são aplicados a partir de dois sistemas muito diferentes de ordenamento: o common law e o romano-germânico, e isso sem falar em mais de duas dezenas de línguas e centenas de culturas distintas.

É inviável, politicamente, pensar na Europa em unificação desses sistemas. Por isso só mesmo a cooperação para dar conta dessa complexidade toda, que nos obriga mesmo a trocar a pirâmide kelseniana, pela nova ciência das redes.

No Brasil afora a própria regulação regional do MERCOSUL, e a integração idealizada pela UNASUL, há, também, uma nova perspectiva muito interessante para a cooperação judiciária ou interna. A grande maioria dos países europeus não é federal, daí que lá a idéia de cooperação é, sobretudo, internacional. Mas no Brasil, além de suas dimensões continentais, temos uma Federação, com quase 3 dezenas de Judiciários estaduais, além de cinco ramos da Justiça (federal, estadual, trabalhista, eleitoral e militar) que são segmentados e com pouca interação entre si. Temos no Brasil hoje quase cem tribunais-ilhas.

Os que militam no foro sabem bem do calvário que é cumprir um ato judicial em outro Estado da Federação, mesmo que no mesmo ramo do Judiciário. E quando se envolve o entrelaçamento de competências materiais e não apenas territoriais, aí que a coisa se embaralha mais ainda, com o confronto entre os órgãos jurisdicionais.

O Conselho Nacional de Justiça já tem atuado na perspectiva da cooperação judiciária, interna, mas ainda de forma fragmentada. É importante que o CNJ trate a questão de maneira mais sistematizada, disciplinando, por exemplo, dois mecanismos muito simples, que estão perfeitamente inseridos em seu poder regulamentar, previsto expressamente no §4º, inciso I do artigo 103-B da Constituição : (i) o magistrado de enlace e (ii) o atlas judiciário. O magistrado de enlace pode atuar regional ou interestadualmente, ou ainda catalizando a cooperação entre ramos judiciários distintos.

Áreas de Cooperação. Pode-se pensar em cooperação judicial para todas as áreas, e mais, especialmente, em 3 matérias: Direito Penal, Direito da propriedade imaterial e Direito do Trabalho.

Na seara criminal, os crimes de lavagem de dinheiro, narcotráfico e atentados contras os sistemas financeiros desafiam, cada vez mais, uma coordenação internacional para serem reprimidos. Em relação à propriedade imaterial – inclusive quanto ao uso social dessa propriedade – os Judiciários nacionais, isoladamente, perdem muito sua efetividade.

Já o Direito do Trabalho é o ramo mais sensível à globalização, pois a mobilidade do capital e irradiação da empresa minam a capacidade de tutela aos trabalhadores pelo Estado e pelo Judiciário. Mecanismos adequados de cooperação judicial podem viabilizar uma rede interjurisdicional de proteção e efetividade dos direitos sociais.

O Judiciário brasileiro está apenas despertando para essa perspectiva, que é a proposta central da Rede Latino-americana de Juízes – www.REDLAJ.com, e sempre é o pano de fundo de seus congressos, como o que agora vai se realizar em Fortaleza, entre os dias 23 e 26 de novembro de 2009. Os anteriores tiveram lugar em Barcelona e Santiago do Chile.

Além do desenvolvimento científico do conceito de cooperação judicial, judiciária ou interjurisdicional, é importante ainda promover a aproximação pessoal entre juízes europeus e latino-americanos, pois a cooperação envolve também, em boa medida, o relacionamento fluído entre os vários órgãos judiciários, pois ela é visceralmente voluntária e consensual, fundada em mecanismos informais e eletrônicos. Os demais operadores do processo, tais como advogados, ministério público, defensores públicos, ONGs e sindicatos também precisam se integrar na cooperação. Sem esses atores ela não funciona.

Se os mecanismos judiciários tradicionais de composição dos conflitos já eram inadequados e ultrapassados quando o direito era sedentário, o que dizer, então, agora, com a economia movente, cognitiva e global, com a imbricação virtual dos territórios, a superinteração das redes sociais, a judicialização da política e com hiperemergência das inovações tecnológicas?

Mudar o paradigma não é apenas um clichê. O sistema precisa urgentemente não de um simples patch ou update, mas de um upgrade.

Congreso Ibero-americano sobre Cooperação Judicial - Sociedade do Conhecimento e Direitos Humanos

HOTSITE DO CONGRESSO: www.redlaj.com/brasil

Fonte: Conjur - Consultor Jurídico

http://www.conjur.com.br/2009-nov-09/conceitos-cooperacao-judicial-interna-externa-upgrade

[1] José Eduardo de Resende Chaves Júnior é magistrado brasileiro, Doutor em Direitos Fundamentais e Presidente da Rede Latino-americana de Juízes – www.REDLAJ.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário