segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

TOGAS EM CHAMAS - O futuro presidente do STF abre guerra contra o Conselho Nacional de Justiça e ameaça a campanha de moralização do Judiciário

ISTOÉ
Claudio Dantas Sequeira
RACHA
Peluso revogou ato sobre cartórios, irritou Dipp e deu sinal de que pretende reduzir a atuação do CNJ
Uma recente decisão do vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, contra resolução do corregedor-geral de Justiça (STF), ministro Gilson Dipp, está causando um racha entre o STF e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O problema começou no dia 28 dejaneiro,quandoPelusoconcedeu liminar de reintegração aos titulares de cartórios do Maranhão que haviam sido afastados pelo CNJ por não serem concursados. Para Dipp, que dias antes decretara vagos 7.828 cartórios ocupados de forma irregular no País, a medida soou como uma afronta.
Depois do susto, Dipp convocou sua equipe e pediu audiência a Peluso. Na reunião, que ocorreu em clima tenso, o corregedor reclamou que não havia sido consultado sobre a liminar e alertou para o risco de um efeito cascata, já que antigos donos de cartórios seriam incentivados a entrar com pedidos de reintegração. Inflexível, o vice-presidente do STF não recuou um milímetro. E ainda deu um recado ameaçador: “O CNJ está extrapolando sua função administrativa.” Em seu parecer, Peluso defendeu a tese de que o CNJ não pode revogar ou anular uma decisão judicial preexistente. “É evidente a inconstitucionalidade de qualquer decisão do CNJ, ou de interpretação que se dê a decisões do CNJ, que tenda a controlar, modificar ou inibir a eficácia de decisão jurisdicional”, afirmou Peluso. No caso, o Tribunal de Justiça maranhense havia decidido reconduzir os titulares não concursados que tinham liminares ainda pendentes de julgamento.
“O Conselho Nacional de Justiça está extrapolando sua função administrativa” Cezar Peluso, vice-presidente do STF
“É evidente que as políticas públicas do CNJ são para a melhoria do Judiciário"Gilson Dipp, corregedor-geral de Justiça
Não é a primeira vez que Peluso alfineta o CNJ. Em caso recente, ao negar a posse de um magistrado como desembargador do TJ de Mato Grosso, o ministro confirmou parecer do CNJ, mas antes fez questão de ressaltar as limitações constitucionais de um órgão de caráter estritamente “administrativo”. Segundo ele, são duas as competências do conselho: “De um lado, o controle da atividade administrativa e financeira do Judiciário e, de outro, o controle ético-disciplinar de seus membros.” Nos bastidores, comenta-se que há uma tentativa deliberada para enquadrar o CNJ e que Peluso seria o baluarte dessa causa, apoiado pela magistratura.Único juiz de carreira atualmente no ST F, o ministro deverá assumir a presidência do Supremo em abril, acumulando também a do CNJ. O temor é de que Peluso aproveite para esvaziar o órgão, que tem se destacado ao abrir a “caixa-preta” do Judiciário, como bem classificou o novo presidente da OAB, Ophir Cavalcanti. Além da bandeira de moralização dos cartórios e da pressão para julgar milhões de processos acumulados, o CNJ lançou uma caça às benesses do Judiciário, endureceu a Lei Orgânica da Magistratura,
investigou juízes envolvidos em pedofilia e fez uma devassa nas contas dos tribunais regionais. Em Brasília, acusou superfaturamento em obras importantes, como as das novas sedes do TRF e do TSE. O fato é que as ações, capitaneadas pela dobradinha do presidente do STF, Gilmar Mendes,com o corregedor Gilson Dipp, vêm tirando o sono dos magistrados.
No dia 27 de janeiro, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, entregou pessoalmente a Mendes um ofício criticando os excessos do CNJ. “A gente reconhece a contribuição no campo da ética, da transparência e da moralidade. Mas estamos impressionados porque alguns atos administrativos extrapolam a competência”, diz Valadares. Segundo ele, os “excessos têm causado transtornos aos juízes, que ficam sem saber a quem obedecer, aos atos administrativos do CNJ ou à lei.” Para a OAB, entretanto, as críticas são injustas. “O trabalho do ministro Dipp tem que ser elogiado. Ele tira o véu que desnuda o Judiciário”, rebate Cavalcanti. Apesar das pressões, Mendes e Dipp têm evitado a discussão pública.
No caso dos cartórios do Maranhão, o CNJ divulgou uma nota de esclarecimento sobre os efeitos limitados da liminar de Peluso. Na opinião do juiz auxiliar do CNJ Marcelo Berth, “algumas pessoas tiveram a compreensão equivocada de que centenas de cartórios seriam excluídos do concurso e entregues novamente
aos titulares, mas só nove cartórios foram atingidos pela medida”. A decisão de Peluso, segundo ele, não prejudicou em nada as normas que regulamentam a ocupação dos cartórios. Embora garanta que o mal-estar inicial já foi superado, Berth reitera que o CNJ não abrirá mão da campanha de moralização.
Colaborou Sérgio Pardellas

2 comentários:

  1. É importante a atuação do CNJ no âmbito estrito das decisões administrativas, quando exerce as prerrogativas do controle externo do Poder Judiciário, mas ele próprio tem que ser limitado nessa função, pois a ninguém é dado o supremo poder de agir ao arrepio da lei. O que chama a atenção, nesse episódio, é a postura do ministro Dipp que age como se o CNJ fosse também uma corte constitucional ou, no mínimo, um 'órgao' jurisdicional. Eis aí o dilema.

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  2. É por essas e outras que o CNJ já está sendo chamado de "Conselho Nacional de Segurança".

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