quinta-feira, 24 de setembro de 2009

IMAGINE SE NÃO EXISTISSEM JUÍZES!

Retransmito a mensagem abaixo (de julho de 2003) cujo conteúdo continua atual.

Roberto Santos, Juiz

Brasília-DF

IMAGINE SE NÃO EXISTISSEM JUÍZES!

Edson Jorge Cechet (*)

(Artigos - 03.07.2003)

Depois de refletir a respeito da preocupação quanto ao futuro, que tem estado na mente de cada um que possa vir a ser atingido pela Reforma da Previdência, estive meditando sobre os acontecimentos desses dias, buscando compreender as razões desse desassossego do meio.

Lembrando das palavras do Presidente Lula, recordei do texto “Juízes”, recentemente publicado por um magistrado em órgão de divulgação da capital, e rememorei que a Constituição, ao dizer que a República constitui-se em Estado Democrático de Direito, afirma que a lei não excluirá da apreciação do Judiciário eventual lesão ou ameaça a direito.

Voltou-me ao pensamento a insinuação de que “não tem chuva, não tem geada, não tem terremoto, não tem cara feia, não tem o Congresso, nem o Poder Judiciário. Só Deus será capaz de impedir que a gente faça esse país ocupar um lugar de destaque que ele nunca deveria ter deixado de ocupar”, criando perplexidade por um destempero verbal inadequado, principalmente porque oriundo do maior mandatário na nação. A ousadia fez imaginar que o Presidente Lula estivesse comparando o Brasil ao famoso transatlântico britânico que afundou ao sul da Terra Nova, em 1912, com a diferença de que as palavras então proferidas foram desafiadoras e provocativas ao próprio Criador.

Mas, então, mesmo que se pudesse imaginar boa vontade do pregoeiro, relembrei de sua freqüente incontinência verbal. Ponderei também que uma pessoa só pode falar a respeito de quem efetivamente conhece. E refletindo no assunto, imaginei se o Presidente tem condições de falar como falou, de usar os termos que usou, de pronunciar o nome que pronunciou, tomando, por assim dizer, sem causa o Nome de quem não o autorizou a tanto, que por sinal é conhecido como o Deus da Verdade, o Deus de Justiça e que no mister de julgar está com os juízes (II Crôn., 19, 6).

Imaginei, a seguir, um País sem leis, onde cada um falasse o que quisesse, fizesse o que entendesse.

Imaginei, também, um país em que não existissem juízes, em que não houvesse portas abertas para receber aqueles “clientes” que chegam com olhos vermelhos, viúvas, órfãos, oprimidos, em que um opressor fizesse e desfizesse com seus súditos o que bem lhe aprouvesse.

Então, lembrei de um conto já antigo, mas que talvez sirva para um certo refrigério e esperança nesses momentos de perplexidade, se os esforços ordinários falharem:

“O MOENDEIRO E O REI

No ano de 1712 nasceu em Berlim Frederico.

Filho de Frederico Guilherme I, o menino cresceu sob forte doutrinação e se tornou conhecido como Frederico II, também chamado O Grande.

O jovem, aos 28 anos, passou a reinar, no lugar do pai, como rei da Prússia, tendo sido um dos maiores representantes do despotismo esclarecido, e nessa condição erigiu seu reino à frente da nação alemã, transformando-a em potência mundial da época, buscando sempre no bem-estar de seus súditos o requisito fundamental para o fortalecimento do Estado. Foi durante seu reinado que entrou em vigor um código do processo civil, que tornava o Poder Judiciário independente do Executivo, tendo também sido criado o Código Civil do reino, que vigorou de 1794 a 1900.

Mercê de seu esmero, Frederico se tornou um dos reis mais poderosos de seu tempo. Seu exército tinha em torno de 200 mil soldados.

A capital do reino estava situada na cidade de Berlim, onde Frederico tinha um palácio, ao qual se recolhia para descansar e gozar da tranqüilidade, junto aos belos jardins e bosques reais.

Entretanto, próximo ao palácio existia um moinho de vento, pertencente a um súdito que o usava para moer grãos de trigo, até convertê-los em fina e branca farinha. No soprar do vento, começavam a girar as grandes hélices, que por sua vez moviam as rodas de pedra para o labor do moendeiro.

Esse conjunto fazia um barulho que se propagava, perturbando as atividades reais. O rei, aborrecido, dizia que com tamanho escândalo não podia pensar, trabalhar ou descansar, e por isso um dia mandou chamar o moendeiro e lhe disse:

- Você compreenderá que não podemos seguir juntos neste lugar. Um dos dois terá que se retirar. Quanto você pode me dar por este palácio?

No princípio o moendeiro não entendeu e por isso o rei lhe explicou:

- Você não tem dinheiro para comprar este palácio. Por isso será melhor que me venda o seu moinho.

- Bem, disse-lhe o moendeiro, eu não tenho dinheiro para comprar o seu palácio, mas você também não pode comprar o meu moinho. O moinho não está a venda.

O rei pensou que o moendeiro quisesse conseguir um bom preço e por isso ofereceu-lhe mais do que valia a propriedade.

Mas o moendeiro voltou a dizer:

- O moinho não está a venda.

O rei, então, ofereceu-lhe uma soma ainda maior, mas o moendeiro respondeu:

- Não venderei o moinho por nenhuma quantia. Aqui nasci e aqui quero morrer.

O rei perdeu a paciência. De maneira cortante disse:

- Homem, não seja insensato. Eu não tenho por que seguir discutindo com você. Se não quer fazer um trato que lhe convenha, chamarei entendidos para que digam quanto vale na realidade esse moinho velho. Isso será então o que se pagará a você e mandarei arrancar essa máquina.

Tranqüilamente, o moendeiro sorriu e contestou:

- Isso você poderia fazer se não existissem juízes em Berlim.

O rei o contemplou em silêncio. Contava a gente daquele tempo que, ao invés de se enfurecer, agradeceu essas palavras. O moendeiro sabia que o rei respeitaria a lei.

Frederico não insistiu mais. O moinho ficou no seu lugar como um monumento à justiça cega. Tão cega, que não distingue um rico de um pobre, ou um rei poderoso de um humilde moendeiro. Durante quase 200 anos pessoas de todas as partes do mundo iam ao local para conhecer esse lugar e ouvir a história do moendeiro e do rei.

Na última guerra mundial, uma bomba das tropas inimigas destruiu tanto o palácio quanto o moinho. Mas a história não foi esquecida."

Talvez, pela posição firme de cada integrante desse Poder, que é grande, que é digno, que é maior do que as palavras ofensivas que o têm atacado, pela coesão que parece existir no Tribunal a quem compete a guarda da Constituição, nós, que agora nos vemos na condição do moendeiro, quiçá porque o soar dos martelos tenha escandalizado os arautos de um totalitarismo emergente, possamos ainda ouvir dizer que há juízes, também, em Brasília.

E se isso não bastar, resta lembrar que acima da demagogia, do açodamento, das demonstrações de desrespeito, ainda existe uma esperança, que é justamente o Deus da justiça e da verdade.

(* ) Juiz de Direito em Porto Alegre



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