segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O HAITI É AQUI (NA CIDADE DE SÃO PAULO-BRASIL)

Revista Istoé Dinheiro
Carlos Sambrana
O odor podre que vem das ruas invade as casas - é difícil caminhar sem levar as mãos ao nariz ou tapá-lo com um pano. Móveis e utensílios domésticos destruídos, como geladeiras e fogões, ocupam as avenidas, abandonadas ao próprio destino. As doenças proliferam exponencialmente, a leptospirose impera como se fosse um pequeno resfriado.
Na cidade mais rica do Brasil, bairros permanecem alagados há mais de 40 dias e as pessoas clamam por socorro
As pessoas gritam, clamam por socorro, choram... Perdem a esperança. Não, caro leitor, esse lugar não é o Haiti. Como diria o compositor Caetano Veloso, o Haiti é aqui. Bem aqui, na cidade de São Paulo, a décima capital mais rica do mundo, com um PIB de R$ 319,9 bilhões, o que, de acordo com a Fundação Seade, representa 12% de todo o dinheiro movimentado no Brasil. É bem aqui na cidade que milhares de pessoas estão com suas casas debaixo d"água há 40 dias. O Haiti brasileiro tem nome: Jardim Pantanal, que engloba alguns bairros da zona leste do município paulista.
Parte da região está inundada desde dezembro do ano passado, os moradores convivem diariamente com insetos de todos os tipos, têm de caminhar no meio das águas e até serpentes já deram as caras na região metropolitana.
O que espanta diante desta situação é que os bairros estão na cidade mais rica do País. E, enquanto o Brasil brinca de potência discutindo com os Estados Unidos quem comanda as operações no Haiti, as autoridades parecem esquecer que aqui nos seus quintais a situação é caótica. A capital paulista sucumbe ao menor sinal de relâmpagos. Na quinta-feira 21, a cidade amanheceu com 29 pontos de alagamento, nove mortos em função de desabamentos e desmoronamentos e um trânsito absolutamente parado.
Ao explicar para a população o que havia acontecido, o prefeito Gilberto Kassab parece ter aprendido a lição com os moradores do Jardim Pantanal, só que de uma maneira diferente: em vez de tapar o nariz para não sentir o cheiro pútrido, Kassab parece ter levado as mãos aos olhos. Pelo menos, essa foi a sensação de quem escutou a sua entrevista na qual ele diz que a população deveria "ficar tranquila", porque "não houve falhas e os investimentos feitos para evitar os alagamentos estão surtindo efeito".
Pergunte aos moradores do Jardim Pantanal se eles estão tranquilos ou faça a mesma indagação para empresas paulistanas do setor de comércio que, no último dia 8 de dezembro, quando as chuvas pararam São Paulo, perderam R$ 16 milhões. O caos originado pelas enchentes é extremamente nocivo para a economia paulistana. De acordo com um estudo do economista Marcos Cintra, professor da FGV, os cidadãos de São Paulo perdem R$ 26 bilhões por ano em congestionamentos. Em desperdício de combustíveis, é algo próximo a R$ 7 bilhões.
As enchentes só agravam esse cenário. Esse é apenas um número, frio, que mostra o efeito da catástrofe. Para os moradores do Jardim Pantanal, o drama é maior. Além de problemas psicológicos - muitos não conseguem escutar o barulho do trovão que já entram em pânico -, os habitantes das regiões alagadas contraíram doenças e perderam quase tudo o que possuíam, até mesmo a dignidade. A lama, até agora, foi a única coisa que restou. Você ficaria tranquilo?

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